Nas décadas 1960 e 1970, em nosso querido Brasil, era muito difícil para as pessoas estudarem. O percentual de pessoas analfabetas era elevadíssimo. Poucos conseguiam cursar até o 4º Ano Primário, o equivalente atualmente ao ensino fundamental (séries iniciais 1º a 4º anos), cuja realidade que era mais cruel na zona rural.
Este drama foi vivenciado pelas famílias camponesas residentes em São Lourenço. Alguns conseguiram
concluir o 4º ano primário. Uma boa parte
fazia um ou dois anos e acabava evadindo da escola, até porque precisava
trabalhar e ajudar nas despesas da casa. Outras porque as famílias (pais)
destes alunos partiam do pressuposto que estudar não era necessário. Felizmente
na Família Ribeiro, todos, sem exceção, valorizavam a escola e queriam que os
seus filhos estudassem.
Mas em São Lourenço, concluído o 4º ano primário, o
aluno não tinha como continuar estudando
a menos que viesse para a cidade de Dourados, cidade onde poderia continuar os
seus estudos, fazendo o curso ginasial,
equivalente ao ensino fundamental (5ª a 8ª séries)
Em sendo assim, em São Lourenço, ter chegado ao 4º Ano
Primário, significava ter chegado ao fim da linha.
Observação
01: além de não ser oferecido o curso
ginasial na zona rural, quem desejasse
cursá-lo era obrigado a fazer uma prova denominada de admissão, tirar
excelentes notas, obter uma classificação bem boa, como condição para garantir uma vaga no ginásio ( era desta forma
que as pessoas se referiam a a escola que oferecia de 5ª a 8ª séries). Esta
prova de admissão nos faz lembrar os exames vestibulares, os quais, atualmente
são exigidos para o aluno ingressar na universidade. Tudo isso porque o ginásio
não era um curso universalizado, isto é, não havia vagas nas escolas para todos
os alunos que concluíssem o curso primário.
Oportuno lembrar que na década de 1950, a Escola Rural
Mista de São de Lourenço, era a única na zona rural, localizada em Caarapó a
oferecer do 1º ao 4º ano primário. Em São Lourenço, em certa medida, as
famílias camponesas eram privilegiadas, se comparadas com as demais escolas
existentes até então na zona rural do município de Caarapó, porque nesta Escola
era possível cursar até o 4º ano primário.
Pois bem, diante desse contexto quero relatar as
proezas realizadas por Marlene Ribeiro e Eunice Daniel, meninas que surpreenderam
positivamente a todos, porque mesmo
diante das dificuldades já enumeradas, não aceitaram tal realidade como algo imutável.
Resolveram pois, cursar madureza ginasial (5ª a 8ª séries) pelo Instituto
Universal Brasileiro.
Observação 2: se atualmente temos
os cursos online(cursos a distância), podemos dizer que o curso de Madureza
Ginasial, de certa forma foi o precursor desta modalidade. Claro que sem as
facilidades que os cursos online oferecem, porque nestes o aluno tem acesso a
vídeos, imagens e sites; pode também enviar mensagens ou recorrer a
vídeo-chamadas, contactar-se com os seus professores, ainda que a distância, e
tirar suas dúvidas.
Marlene e Eunice, muito determinadas e convictas do
que queriam, foram a luta, e, heroicamente fizeram o referido curso. Pra quem
não sabe, o curso de madureza ginasial era feito pagando uma mensalidade, isto
é, uma escola particular e a distância, logo o aluno estudava sem poder ter o
professor presencialmente, um curso a distância.
Marlene e Eunice recorreram aos préstimos da Empresa
de Correios e Telégrafo, mas mesmo assim tiveram que superar uma outra grade dificuldade, qual
seja, a de morarem na zona rural. Na zona rural os Correios não entregavam as
correspondências nas casas dos destinatários - tal privilégio só era concedido
a quem mora na cidade. Aliás até os dias
atuais ainda é assim que as coisas funcionam. A solução adotada por Marlene e Eunice foi a
de receberem todo o material numa caixa postal. Reitero que a caixa postal para
ter acesso a ela, alguém deve assiná-la e pagar uma certa quantia, não sei se
mensalmente, semestralmente ou anualmente. Felizmente, alguém da Família
Ribeiro era assinante de uma caixa postal e, em sendo assim, todas as
correspondências destinadas para os Ribeiros eram remetidas pra esta caixa.
Todavia, um outro problema se apresentou, qual seja,
em alguns momentos os camponeses, dentre eles, os Ribeiros ficavam vários dias,
semanas mesmo, sem virem até a cidade. Em sendo assim, as apostilas enviadas
pelo Instituto Universal Brasileiro, por vezes, demoravam muito para chegarem
até a Marlene e a Eunice. Mas, apesar de tudo isso, elas foram persistentes,
determinadas, não desistiram, foram heróicas e
vitoriosas.
Lembrando que para serem consideradas aprovadas
tiveram – exigência feita a todo e qualquer aluno que cursasse madureza
ginasial -, fazer uma prova presencial em Dourados, acredito que na Escola
Estadual Presidente Vargas, na qual, obtiveram notas suficientes para serem
aprovadas. Aliás foram bem avaliadas.
O emocionante do feito destas duas primas é que
fizeram isso, sendo duas mulheres, importante reiterar que, para as mulheres
até os dias atuais, as coisas são sempre mais difíceis em virtude do machismo
reinante na sociedade brasileira, mau do qual, infelizmente, a Família Ribeiro
não estava imune. Marlene e Eunice também venceram este obstáculo.
Terminado o curso ginasial, elas não se deram por
satisfeitas, vieram para Dourados onde fizeram o curso correspondente ao ensino
médio. A Eunice fez o curso normal, a Marlene, não sei dizer, acredito que foi
o científico. Vejam o quanto estas meninas foram guerreiras. Eu diria que elas
abriram as porteiras para os demais Ribeiros que, pouco a pouco, cada vez mais
encorajados com os exemplos delas, e numa perspectiva ascendente, muitos outros
Ribeiros resolveram estudar aqui em Dourados, não o curso de madureza ginasial,
mas o curso ginasial presencial.
E em meados dos anos 1970, o exame de admissão foi
abolido e este fato combinado com o êxodo rural implicou na vinda dos
camponeses para a cidade, dentre eles os Ribeiros. Apesar de grandes
dificuldades de toda sorte, sobretudo financeira, a maioria dos primos que moravam em São
Lourenço, uma vez morando em Dourados acabaram por fazer o curso ginasial.
Quanto a Marlene e a Eunice, em virtude da
persistência e ousadia cursaram o ensino superior, se qualificaram
profissionalmente e se incorporaram ao mercado de trabalho, e, escreveram uma
história muito sofrida, comovente, porém, com final feliz.
Parabéns primas! Vocês são heroínas
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