domingo, 6 de outubro de 2019

O PCB E A FAMÍLIA RIBEIRO




LOGOTIPO DO PCB

A convivência diária que tive com os tios José, Antônio, Celso e o meu pai, durante a minha infância, foi determinante para que me tornasse um simpatizante e posteriormente, um militante do Partido Comunista Brasileiro.
Mas a contribuição deles não se deu apenas na forma de conversas. Tive o privilégio de ler vários livros que pertenciam ao Tio José, com abordagens relacionadas a atuação dos comunistas brasileiros.  Dentre eles, faço questão de mencionar, os Subterrâneos da Liberdade: obra publicada em três volumes e escrita por Jorge Amado, o 1º volume com o título: Os Ásperos Tempos; o 2º volume: Agonia da noite; e o 3º volume: A luz no fim do túnel. Li os três volumes, quando ainda criança e morava em São Lourenço, em meados da década de 1970.
Jorge Amado (1912-2001) escreveu esta obra no início da década de 1950 e retratou um período muito difícil e conturbado da História do Brasil, o denominado Período do Estado Novo (1937/1945), quando o País esteve submetido a uma ditadura fascista liderada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas. 
Getúlio Vargas, segundo diversos historiadores, nutria grande simpatia pelo nazismo e chegou cogitar uma aliança política e militar com a Alemanha, Japão e Itália durante a 2ª Guerra Mundial.
Quando escreveu esta obra, Jorge Amado militava no Partido Comunista Brasileiro, e sendo um gênio como escritor, a sua narrativa é eletrizante  e apaixonante. Lendo-a, amigo leitor, em que pese todos os erros cometidos pelos comunistas na luta que travaram contra o domínio imperialista visando impedir que o Brasil se tornasse aliado ao regime nazista, sou forçado a reconhecer, Jorge Amado foi muito feliz na forma como descreveu a ação dos comunistas neste processo.
Nela, Jorge Amado descreveu a atividade clandestina do Partido Comunista nasgreves, manifestações operárias e populares,etc, algumas delas, tristes, emocionantes e envolventes. Por isso mesmo, permite-nos, amigo leitor, dimensionar o grau de perversidade praticada pelas classes dominantes contra a sociedade brasileira e, mais cruelmente, contra os comunistas. Os relatos das práticas (perseguições, prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos) movidas pelos governantes brasileiros, no período do Estado Novo, um regime ditatorial  contra as forças democráticas e, especialmente contra os comunistas, servem para demonstrar o quanto o Estado Novo foi antidemocrático.
Amigo leitor, após a leitura de Subterrâneos da Liberdade, a minha convicção de que as lutas políticas travadas pelas massas populares no Brasil, neste período, sob as mais duras condições, ainda que marcadas por erros táticos e muito romantismo político, são merecedoras de nossa admiração, gratidão e aprovação. Convenci-me de que o marxismo-leninismo[1], embora não tenha respostas para tudo, é inquestionavelmente o método que mais possibilita o entendimento das razões das lutas emancipatórias dos diferentes povos e diferentes nações, rumo  sociedades livres da exploração do homem pelo próprio homem. No século atual, o XXI, uma reinterpretação do marxismo está sendo empreendida, até mesmo, porque outros aspectos se revelaram ao longo do tempo, tão relevantes, tanto quanto a contradição entre Capital x Trabalho. Estou me referindo a contradições várias que se manifestam de forma mais desnudada, no modo de produção capitalista.  
O Século XXI, se caracteriza pela existência de diversos movimentos: ambientalistas, de igualdade de gênero, pela paz mundial, indígena e GLBT., etc, os denominados movimentos identitários. Evidentemente, um grande esforço de reinterpretação da contradição econômica, a luz da nova ordem econômica mundial, está sendo feita no século XXI, cujo enfrentamento deve ser repensado e contextualizado, coerente com a atual divisão internacional do trabalho, o que implica em repensar o fazer dos marxistas sob um enfoque que não superdimensione a contradição Capital x Trabalho, até porque as demais contradições  – me refiro aos movimentos citados no início deste parágrafo - tem importância capital na formação de estratégias e táticas a serem adotadas visando à superação do modo de produção capitalista.
 Coincidentemente e lamentavelmente, a semelhança do verificado no período do Estado Novo Brasileiro, o período em que tomei contato com as referidas obras, o Brasil, mais uma vez, estava sob uma ditadura militar, cujo início se dera em 1964 e se estendeu até 1985. A minha geração, portanto, foi educada a odiar o Partido Comunista Brasileiro.
Todavia, as informações e reflexões experienciadas por mim junto com os meus tios e o meu pai, foram providenciais para que eu não assimilasse acriticamente os fatos e as interpretações dadas aos mesmos pelos meios de comunicação (emissoras de rádio e jornais) e instituições diversas: igrejas, escolas, partidos políticos, etc., até porque todos, sem exceçao,   estavam sob censura.  Meu pai e meus tios José, Celso e Antônio Ribeiro, tinham como prática se informarem durante a vigência da ditadura militar compreendida (1964 a 1985), através de emissoras de outros países;
Sabiam que imprensa nacional estava sob censura. Que somente sintonizando emissoras estrangeiras teriam acesso a programas jornalísticos que retratassem com muito maior grau de independência o que estava acontecendo no Brasil. Estas emissoras disponibilizavam, diariamente e em Português, de segunda a sexta feira, programas de notícias para o Brasil e em português. Desta forma, apesar da censura imposta aos meios de comunicação no Brasil, tive acesso, através destas emissoras estrangeiras, a outras versões sobre o que estava ocorrendo no plano econômico e político no Brasil. As Rádios Havana de Cuba, Central de Moscou, a Voz da América e BBC de Londres, eram as emissoras que sintonizávamos, por volta das 19 horas, horário de Brasília. Através destas emissoras foi possível avaliarmos o que estava ocorrendo no Brasil e desta forma escapamos da manipulação das informações feitas pelos meios de comunicação brasileiros.
Diante de um contexto político e econômico tão macabro, compreendi que o Brasil estava sob um regime ditatorial, e porque todos àqueles que se opunham ao mesmo, eram rotulados de terroristas. O regime militar rotulando de terroristas todos os democratas, assim agia por entender que ao desqualificá-los, personificando-os com a materialização de inimigos da pátria, a sociedade não daria crédito aos que lutaram naquele período por democracia e justiça social. Além de terroristas, os militares, não raro, os rotularam de comunistas   todos os que lutavam por justiça social e democracia. Lembrando que para o povo brasileiro, em virtude do seu analfabetismo político, um comunista era visto como uma pessoa que representava um grande perigo para os valores morais e éticos da nossa sociedade.
 Eu mesmo tive uma experiência que comprova o que estou a dizer. Em 1975, estudava em Nova América, na Escola Estadual Frei João Damasceno. Nesta Escola, certa vez fui chamado à direção pelo diretor e pelos professores, porque estes ficaram sabendo da minha identificação com o marxismo. A direção, a coordenação e os professores fizeram suas falas, todos, sem exceção, objetivando me convencer de que eu estava errado em nutrir alguma simpatia pelo socialismo e pela ex-URSS[2].
Só não me aplicaram maiores punições porque quando submetido aos questionamentos feitos pelos professores, fui dissimulado, afirmando que a opinião que emitira favorável ao socialismo, a fiz sem saber com propriedade o que estava falando. Desta forma fui liberado e as punições que foram a mim aplicadas, se resumiram a perder o recreio e o sermão  que ouvi. Acredito que o fato de eu ser um ótimo aluno, pesou a meu favor, de sorte que, as punições mais severas e a convocação do meu pai para ir até a Escola não ocorreram. Este fato me levou a compreender muito bem porque o meu pai e os meus tios diziam que eu deveria ser cauteloso e que nem sempre deveria emitir opiniões que fossem favoráveis ao socialismo[3].
 O constrangimento e o susto, contudo, não provocaram o meu desencanto com o marxismo-leninismo, pelo contrário, aumentaram o meu interesse pelo programa do Partido Comunista Brasileiro, e, sempre que podia, lia obras e mais obras que tivessem como tema as lutas populares no Brasil e a atuação dos comunistas.
DA CONDIÇÃO DE SIMPATIZANTE PARA A DE MILITANTE DO PCB
Mas eis que no dia 21 de Julho de 1981, eu, o meu pai, o tio Antônio e o seu filho Augusto Ribeiro Neto fomos convidados a participar da histórica reunião de criação do Partido Comunista Brasileiro em Dourados. Para esta reunião fomos convidados por Gilberto Carvalho[4], Nela se fizeram presentes, sete pessoas.  A reunião foi finalizada com a criação da primeira célula comunista de Dourados, denominada de base 21 de Julho[5].
O Gilberto nos convidou para esta reunião dizendo que iríamos apenas assistir a uma simples reunião de Comunistas. Mas, verdade seja dita, o Gilberto e o Luís Carlos Ribeiro[6]·, já foram com a intenção de sacramentarem a criação da primeira célula comunista em Dourados.  Tanto é que ao final da reunião insistiram para que eu, o Tio Antônio, o Augusto e o meu pai compuséssemos a direção desta célula. Da minha família, apenas eu  fui o único a aceitar integrar a célula. O meu pai, Tio Antônio e o Augusto se limitaram a serem simpatizantes.
Embora tenha aceitado, confesso, saí desta reunião muito assustado. Verdade seja dita, desde os anos 1970, me identificava com o marxismo, todavia, muito mais como um capricho de natureza acadêmica, objetivando tão somente apropriar-me de uma retórica consistente a ser utilizada nas rodinhas de conversas junto aos amigos,. jamais me imaginara sendo um militante do PCB.
O certo é que fiquei três meses sem ir até o escritório do Arquiteto, Luís Carlos Ribeiro, a Domus, na esperança de que ele e os demais camaradas,  o Guilherme Meldau Neto e Iara Ortiz desistissem de me fazer um militante do PCB. No entanto, cerca de três meses após esta reunião, o Luís Carlos apareceu na casa de meu pai e indagou porque eu não tinha aparecido       no seu escritório. Depois desta cobrança, assumi pra valer o Partido.
A partir deste momento, passei efetivamente a militar no PCB, militância que exerci de 1981 até 1986. Neste curto espaço de tempo, em virtude de – modéstia à parte – nossa intervenção qualificada, passamos a influenciar os diversos movimentos sociais e sindicatos existentes em Dourados. Tornamo-nos uma referência. Sempre que se pensava na organização de uma greve, de uma mobilização, etc., os dirigentes destes movimentos, antes de adotarem qualquer encaminhamento, faziam questão de se reunir conosco, os comunistas, para discutirem a melhor forma de o fazer  De muitos destes movimentos, nós os comunistas, nos tornamos dirigentes.
Quero ressaltar, o Tio José devida a sua experiência, me monitorava,  ainda que a distância, preocupado que estava de que eu pudesse ser tomado de grande euforia e me expusesse demais, colocando em risco a minha própria integridade física e a minha  vida. Felizmente nunca fui preso, mas, no campo profissional, reconheço que muitas portas se fecharam por conta de minhas opções políticas.




[1] Marxismo-leninismo, fundamentada no materialismo histórico e dialético, tendo Marx como o seu grande teórico e Lênin, outro grande teórico, e líder da primeira experiência de implantação do regime socialista no Mundo;
[2] União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), país que liderava o bloco socialista no Planeta;
[3] Eu emitira estas opiniões junto ao grupo (Alberto, Argemiro, Toinho, Augusto, o Roque e o Toninho - os dois últimos, não eram primos e sim, nossos vizinhos no São Lourenço), em um determinado dia,quando nos dirigíamos ao ginásio de Nova América, Escola Estadual Frei João Damasceno. Vínhamos de bicicleta, fazíamos diariamente um percurso de 26 km, ida e volta. Ocorreu que em uma aula de história, na 5ª série, o conteúdo estudado teve como tema, o socialismo. Então o Argemiro, um dos meus primos que estudava nesta turma, reproduziu o teor da conversa e da opinião por mim emitida sobre o socialismo neste dia. Eu estava cursando a 6ª série, razão pela qual fui chamado na diretoria,  quando ocorria o recreio onde fui submetido a  um grande sermão;
[4] Antigo proprietário da Fazenda Rincão da Confiança, propriedade que foi vendida por ele a Augusto Ribeiro (meu avô) no ano de 1954);
[5] Esta denominação foi dada pelo fato de ser uma prática dos comunistas, durante o regime ditatorial, não fazer atas ou os registros por escrito das atividades do PCB. Estes registros se caíssem nas mãos das forças repressoras seriam utilizados como provas e serviriam para justificar perseguições, prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos aos militantes ou simpatizantes comunistas. A denominação dada a esta célula comunista de base 21 de Julho, permitia que não nos esquecêssemos a data de instalação da primeira célula comunista em Dourados, ainda que não houvesse registro escrito. A pronúncia do seu nome remetia automaticamente a sua data de criação.;
[6] Apesar de carregar o sobrenome Ribeiro não é membro da nossa Família;

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