Farei aqui um breve relato sobre como o acesso a informação era feito no Brasil, nos anos 1970, quando o País estava sob uma ditadura militar. Pra começo de conversa, os jornais, emissoras de rádio, televisão, revistas e instituições sociais (escolas, igrejas, sindicatos, etc), estavam cerceados no que tange ao direito de livre manifestação e de opinião.
Os meios de comunicação, programas de
televisão, filmes só podiam ser
veiculados após passarem pela aprovação
da censura. Se alguém tem dúvida, acesse o Yotube, e veja a programação
(novelas, programas musicais e outros) exibida pela TV Tupy, por exemplo e verá
a legenda:, "programa aprovado pela Censura Federal. Assim forma os “Anos de
chumbo no Brasil”.
Lideranças estudantis, sindicais, religiosas,
profissionais liberais dentre outras e, até mesmo o cidadão comum, tinha os
seus os direitos de ir e vir e liberdade
de opinião, negados. Sendo assim ler, ouvir ou assistir um programa de
televisão até mesmo em escolas e universidades, salvo honrosas e heroicas
exceções, não era a garantia de que realmente o cidadão estava sendo bem
informado.
E lá, no São Lourenço, um sertão, imagine o
quanto estávamos privados de informação. No meu caso, fui um privilegiado de
ter como pai, Epifânio Ribeiro da Silva que me orientou e dizia: “meu filho,
temos um rádio, e, nele você pode sintonizar emissoras de rádio estrangeiras, tais
como Rádio Havana Cuba, Central de Moscou, Voz da América, BBC de Londres,
dentre outras, as quais tem uma hora diária de programas de notícias, em
Português do Brasil. Ouvindo-os, você ficará sabendo o que realmente está
ocorrendo no Brasil. Porque nos meios de comunicação do Brasil, vale dizer, emissoras
de rádio e Televisão: Globo, Tupy, Bandeirantes; em jornais: Folha de São Paulo, Estadão,
Folha de Londrina; e revistas: Cruzeiro, Fatos e Fotos e tantos outros, a
verdade é que informações que não sejam favoráveis aos governos militares, são
impedidas de serem veiculadas”. .
Sendo assim, eu comecei a ouvir as emissoras
citadas e pude constatar o que dizia o meu pai. No Brasil, neste período, as
lideranças de movimentos populares que lutavam por democracia e justiça social, foram rotuladas de comunistas, terroristas. Não raro, nas repartições públicas
em Dourados, eram fixados cartazes, nos quais eram oferecidas generosas gratificações em dinheiro a quem desse
informações sobre o paradeiro destas
lideranças. Nestes cartazes, naturalmente, tais lideranças eram apontadas como inimigas do País, comunistas ou
perigosos terroristas.
Pra dar um exemplo, acompanhei pelas rádios
Havana Cuba, Central de Moscou, BBC de Londres, a Voz da América, as versões
dadas sobre o golpe militar dado, no ano de 1973, contra o presidente do Chile, Salvador
Allende, um governo socialista. Um golpe apoiado pelos EUA e executado
através das forças conservadoras chilenas. Mesmo nas rádios BBC de Londres e a
Voz da América, emissoras, respectivamente sediadas em países capitalistas
(Inglaterra e EUA), a postura destas emissoras não eram de apoio incondicional ao golpe militar dado no governo de Allende, diferentemente
das emissoras de rádio brasileiras, cujos noticiários eram favoráveis ao golpe
porque, segundo elas, dado em defesa da
civilização ocidental, cristã, democrática, em defesa da família, da
propriedade e dos bons costumes.
Outra coisa que o meu pai dizia: “Enio está vendo esta folha em branco, neste
jornal” - se a memória não está me traindo, era uma edição do Jornal Voz de
Londrina - não é uma falha técnica ocorrida na gráfica e, sim uma maneira de o
editor denunciar que a notícia que deveria estar aqui foi censurada". E assim, fui
desde cedo, compreendendo que os meios de comunicação não são neutros, o que a
princípio, não é nada de mais. O que é demais é não ser neutro e tentar passar
a ideia de que são.
SINAIS DE RÁDIO, MUITO RUÍDO.
Na década de 1970, as redes de torres e antenas
retransmissoras de sinais de radiofusão, eram raríssimas e precárias,quanto aos satélites, acredito que não eram utilizados
no Brasil. Sendo assim, os sinais das emissoras de rádio chegavam com muito
ruído e oscilando. Em São Lourenço adotávamos antemas externas, instaladas em
varas de bambu, em altitudes, o mais
elevadas possível, para poder captar sinais de áudio com mais qualidade. O meu
pai tinha um rádio de marca PHLIPIS, alimentado a pilha, via de regra, Pilhas Rayovac. O
rádio tinha que ser utilizado apenas para determinados programas, haja vista
que as pilhas descarregavam muito rápido, eram caras, e não tínhamos em São
Lourenço, rede de energia elétrica nas quais pudéssemos ouvir as emissoras de
rádio. Mas em que pese todas estas adversidades, o meu pai, me oportunizou sintonizar o rádio e de como ter acesso a informações muito além do
permitido pela censura.
E o mais importante, inúmeras vezes ele empreendia uma reflexão sobre os fatos
noticiados, seja nos meios de comunicação brasileiros ou estrangeiros,
contextualizando-os, um verdadeiro professor de cidadania, dedicação a qual, eu sou
muito grato.
Observação: estes mesmos procedimentos adotavam
o Tio José e Tio Celso, e acredito que os demais tios, a saber: Antônio,
Ildefonso e Miguel. Quanto às mulheres, não tenho conhecimento de como agiam em
relação a busca de informação. Quem sabe
a Eunice, a Lurdes ou a Tia Senhora, possam dizer algo.
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