Atendendo a um pedido de meu querido mano, o Paulinho,
farei um relato, superficial, é claro,
sobre o comportamento de sua avó materna, a Dona Maria.
A Dona Maria, pra começo de conversa,
tinha problemas mentais (demência), de que tipo, não sei dizer. Mas, na presente narrativa o que interessa dizer é
que , ela apresentava um comportamento agressivo e auto-destrutivo. Diariamente
conversava sozinha, dialogando com uma
entidade invisível. Com este interlocutor, invisível ou imaginário, não
importa, a Dona Maria dialogava. Nestes
diálogos, a Dona Maria alterava a voz, usando um tom de voz quando ela estava falando e um outro tom, quando o
suposto interlocutor, estava com a palavra.
O fato de no São Lourenço, felizmente, boa
parte dos lavradores serem espiritas, as explicações dadas para o comportamento de Dona Maria, era
a de que ela estava conversando com espíritos desencarnados, talvez um de seus inimigos,, ou um simplesmente, um espírito
gozador que se aprazia em atormentá-la.
Reitero, Dona Maria, conversava
sozinha, dia e noite. E acreditem, durante a noite, se internava
na quiçaça, e, por incrível que pareça, nunca foi picada por uma
cobra; também as vacas com crias (bezerros) recém nascidos, nunca a vitimaram,
apesar de a Dona Maria, não ser nem um pouco prudente. Os espíritas diziam, o seu anjo da guarda , a
protege, por isso, nada de ruim a ela acontece.
Durante a noite, quando nosso ouvido fica
mais sensível, todo ruído ou som torna-se mais audível, no velho e saudoso São
Lourenço, todos a ouviam, ora dialogando, ora cantando. Isto mesmo, em alguns momentos, ela
suspendia os diálogos e começava a cantar.
Nestes cantos, a Dona Maria, fazia referência a algumas pessoas, recorrendo a
palavrões ou desqualificando-as, com uma entonação de voz que revelava estar
brava e muito irritada, dentre eles, Epifânio, Purcina, Manoel Pinheiro, Luis
Baiano e outros mais. E o tom de voz dela era colérico.
Nos momentos mais críticos de suas crises,
ela não se alimentava. Quando as crises eram mais intensas, apenas quando a
fome estava atingindo o limite do insuportável é que, a Dona Maria, aparecia na
casa de alguém, porém, na maioria das vezes, ia direto para uma janela da cozinha da vóvo Pulcina, na qual havia anexo um girau (mesa) sobre o qual, a vovó lavava as louças. Quando Dona
Maria aparecia, a vovó, sem que ela pedisse, lhe oferecia um prato de comida ou pra ser mais exato, uma
lata de goiabada (servindo como prato), porque a Dona Maria se alimentava andando, conversando, cantando, xingando, sem
fazer uso dos talheres, utilizava, pura e simplesmente, ás mãos para comer. A vovó não servia a comida em um
prato, porque sabia que a Dona Maria, raramente, o devolveria . Ela, às vezes,
se dirigia até a casa de outros
camponeses, e muitos deles, lhe serviam-lhe
um prato de comida;
A Dona Maria, em seus momentos de
crises, durante as quais ficava dia e
noite no mato, poe vezes, ficava com suas vestes rasgadas. Nestes momentos, a nossa
querida vovó Pulcina Ferreira dava um jeito de confeccionar um vestido
para que a Dona Maria vestisse.
Mas, vez por outra, alguns camponeses
faziam troça dela (gozação), nestes momentos, a
Dona Maria ficava muito irritadha; os alunos que estudavam na Escolinha
do São Lourenço, alguns deles, faziam gozação e, não poucas vezes, a Dona Maria
correu atrás deles para pegá-los,
De modo geral, os moradores de São
Lourenço a toleravam, sabiam ser ela, vítima de problemas mentais. Mas de todos, os moradores,
sem dúvida, a vovó Pulcina era a que
mais a respeitava, nunca dirigiu-se a ela de forma agressiva e desrespeitosa.
Por outro lado, a Dona Maria, sempre male dizia a vovó em seus cantos e
diálogos. A vovó Pulcina a tudo relevava, porque na condição de espírita dizia: eu não me importo, ela age
assim porque está submetida a um espírito obssessor que a persegue e a
torna agressiva.
E confesso, sempre admirei e,
atualmente, admiro ainda mais, a postura de compreensão, respeito e ultra-humana
da vovó Pulcina, em que pese o fato de ser analfabeta, mas extremamente letrada
em humanismo e grandeza de espírito, razão pela qual sempre se referia ou se
dirigia a Dona Maria de forma respeitosa e humana.
A Dona Maria em um determinado momento,
acredito que na década de 1970, foi internada no Sanatório Espírita Bezerra de
Menezes, em Campo Grande, no qual, permaneceu por diversos anos. Os
seus filhos, o Otacílio, a Lurdes Gabriel (minha madrasta), o João Gabriel, a
Josefa, a Rosa e a Ana, ficaram muito tristes quando do internamento dela,
porém, diante do seu estado mental muito grave, acabaram conformando-se com o envio da mãe
para o referido sanatório. Este internamento ocorreu, intermediado pelos
espíritas residentes em São Lourenço (Centro Espírita Allan Kardec) e também de
Dourados, o Centro Espírita Amor Caridade.
Anos depois, a Dona Maria voltou, mais
calma, mas não curada, em verdade, tal serenidade se dava em função dos efeitos
dos psicotrópicos ministrados a ela. Decorrido algum tempo, os efeitos dos
psicotrópicos cessaram e as crises e
surtos na Dona Maria, voltaram a ocorrer. No final dos anos 1970, quando
a Lurdes Gabriel, uma de suas filhas, mudou-se para Dourados, Dona Maria veio
morar com ela. E por estar morando em uma cidade, a Lurdes, a encaminhou para
um psiquiatra, o Dr. França, profissional que recentemente faleceu, o qual, receitava psicotrópicos para a Dona Maria, única maneira de acalmá-la.
Mas ainda assim, em alguns momentos, as crises se manifestavam.
O que posso dizer é que o caso da Dona Maria, comovia aos seus familiares e demais famílias camponesas mais sensivei. Lembrando que naquele tempo, as políticas públicas para deficientes mentais não se davam da mesma forma que se dão hoje. Era
comum, isolá-lose castiga-los (surrá-los , amarrá-los, etc). Felizmente, em São
Lourenço, afora as gozações, embora reprováveis, um grave erro de quem
as praticou, a Dona Maria, que eu
saiba, nunca foi submetida a surras ou amarrada.8
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