domingo, 5 de junho de 2022

DONA MARIA, UMA PESSOA QUE SOFREU DEMAIS.


 Atendendo a um pedido de meu querido mano, o Paulinho,  farei um relato, superficial, é claro, sobre o comportamento de sua avó materna, a Dona Maria.

A Dona Maria, pra começo de conversa, tinha problemas mentais (demência), de que tipo, não sei dizer. Mas,  na presente narrativa o que interessa dizer é que , ela apresentava um comportamento agressivo e auto-destrutivo. Diariamente  conversava sozinha, dialogando com uma entidade invisível. Com este interlocutor, invisível ou imaginário, não importa,  a Dona Maria dialogava. Nestes diálogos, a Dona Maria alterava a voz,  usando um tom de voz quando  ela  estava falando e um outro tom, quando o suposto interlocutor, estava com a palavra.

O fato de no São Lourenço, felizmente, boa parte dos lavradores serem espiritas, as explicações  dadas para o comportamento de Dona Maria, era a de que ela estava conversando com espíritos desencarnados, talvez  um de seus inimigos,, ou um simplesmente, um espírito gozador que se aprazia em atormentá-la. 

Reitero,  Dona Maria, conversava sozinha, dia e noite. E acreditem, durante a noite, se internava na quiçaça, e, por incrível que pareça, nunca foi picada por uma cobra; também as vacas com crias (bezerros) recém nascidos, nunca a vitimaram, apesar de a Dona Maria, não ser nem um pouco prudente.  Os espíritas diziam, o seu anjo da guarda , a protege, por isso, nada de ruim a ela   acontece.

Durante a noite, quando nosso ouvido fica mais sensível, todo ruído ou som torna-se mais audível, no velho e saudoso São Lourenço, todos a ouviam, ora dialogando, ora   cantando. Isto mesmo, em alguns momentos, ela suspendia os diálogos e começava a cantar.

Nestes cantos, a Dona Maria,  fazia  referência a algumas pessoas, recorrendo a palavrões ou desqualificando-as, com uma entonação de voz que revelava estar brava e muito irritada, dentre eles,  Epifânio, Purcina, Manoel Pinheiro, Luis Baiano e outros mais. E o tom de voz dela era colérico.

Nos momentos mais críticos de suas crises, ela não se alimentava. Quando as crises eram mais intensas, apenas quando a fome estava atingindo o limite do insuportável é que, a Dona Maria, aparecia na casa de alguém, porém, na maioria das vezes, ia direto para uma janela da cozinha da vóvo Pulcina, na qual  havia anexo um girau (mesa) sobre o qual, a vovó lavava as louças. Quando Dona Maria aparecia, a vovó, sem que ela pedisse, lhe oferecia  um prato de comida ou pra ser mais exato, uma lata de goiabada (servindo como prato), porque a Dona Maria se alimentava  andando, conversando, cantando, xingando, sem fazer uso dos talheres, utilizava, pura e simplesmente, ás mãos para  comer. A vovó não servia a comida em um prato, porque sabia que a Dona Maria, raramente, o devolveria . Ela, às vezes, se dirigia até  a casa de outros camponeses, e muitos deles,  lhe serviam-lhe um prato de comida;

A Dona Maria, em seus momentos de crises,   durante as quais ficava dia e noite no mato, poe vezes,  ficava com suas vestes rasgadas. Nestes momentos, a nossa querida vovó Pulcina Ferreira dava um jeito de confeccionar um vestido   para que a Dona Maria  vestisse.

Mas, vez por outra, alguns camponeses   faziam troça dela (gozação), nestes momentos, a  Dona Maria ficava muito irritadha; os alunos que estudavam na Escolinha do São Lourenço, alguns deles, faziam gozação e, não poucas vezes, a Dona Maria correu atrás deles para pegá-los,

De modo geral, os moradores de São Lourenço a toleravam, sabiam ser ela,  vítima de  problemas mentais. Mas de todos, os moradores, sem dúvida, a vovó Pulcina  era a que mais a respeitava, nunca dirigiu-se a ela de forma agressiva e desrespeitosa. Por outro lado, a Dona Maria, sempre male dizia a vovó em seus cantos e diálogos. A vovó Pulcina a tudo relevava, porque na condição de  espírita dizia: eu não me importo, ela age assim porque está submetida a um espírito obssessor  que a persegue e a torna agressiva.

E confesso, sempre admirei e,  atualmente, admiro ainda mais, a postura de compreensão, respeito e ultra-humana da vovó Pulcina, em que pese o fato de ser analfabeta, mas extremamente letrada em humanismo e grandeza de espírito, razão pela qual sempre se referia ou se dirigia a Dona Maria de forma respeitosa e humana.

A Dona Maria em um determinado momento, acredito que na década de 1970, foi internada no Sanatório Espírita Bezerra de Menezes,  em Campo Grande, no qual,  permaneceu por diversos anos. Os seus filhos, o Otacílio, a Lurdes Gabriel (minha madrasta), o João Gabriel, a Josefa, a Rosa e a Ana, ficaram muito tristes quando do internamento dela, porém, diante do seu estado mental muito grave,  acabaram conformando-se com o envio da mãe para o referido sanatório. Este internamento ocorreu, intermediado pelos espíritas residentes em São Lourenço (Centro Espírita Allan Kardec) e também de Dourados, o Centro Espírita Amor Caridade.

Anos depois, a Dona Maria voltou, mais calma, mas não curada, em verdade, tal serenidade se dava em função dos efeitos dos psicotrópicos ministrados a ela. Decorrido algum tempo, os efeitos dos psicotrópicos cessaram  e as crises e surtos  na Dona Maria, voltaram a ocorrer. No final dos anos 1970, quando a Lurdes Gabriel, uma de suas filhas, mudou-se para Dourados, Dona Maria veio morar com ela. E por estar morando em uma cidade, a Lurdes, a encaminhou para um psiquiatra, o Dr. França, profissional que recentemente faleceu, o qual,  receitava psicotrópicos  para a Dona Maria, única maneira de acalmá-la. Mas ainda assim, em alguns momentos, as crises se manifestavam.

O que posso dizer é que o caso da Dona Maria,  comovia aos seus familiares e demais famílias camponesas mais sensivei. Lembrando que naquele tempo, as políticas públicas para  deficientes mentais não se davam da   mesma forma que se dão hoje. Era

 comum, isolá-lose castiga-los (surrá-los , amarrá-los, etc). Felizmente, em São

 Lourenço, afora as gozações, embora reprováveis, um  grave erro de quem

 as praticou, a Dona Maria, que eu

 saiba, nunca foi submetida a surras ou amarrada.8

 

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